Inbradim – Instituto Brasileiro de Estudo e Pesquisa de Direito Militar


Eder Machado Silva

Antes de adentrar na temática a ser propriamente debatida, importante elucidar que, a opinião aqui detalhada trata-se de exposição técnica acadêmica sobre o assunto, fruto de pesquisa científica metodológica elaborada pelo autor. Não havendo objetivo qualquer em distorcer ou criticar decisões administrativas já consolidadas sobre o mesmo assunto. Esclarecido isso, durante o ano de 2018, assim como já ocorrido em datas anteriores, a Polícia Militar de Minas Gerais excluiu de suas fileiras, ex-officio – isto é, sem a utilização de um processo administrativo regular – muitos militares que, por decisão judicial permaneciam na corporação, em tese, sem cumprir um dos requisitos exigidos para ingresso na instituição, então, com previsão no edital do concurso público de admissão.

No centro de toda essa discussão, depreende candidatos do concurso público de admissão que, contraindicados em exames psicotécnicos, buscaram o Poder Judiciário contra a sustentação da subjetividade das questões psicológicas examinadas, e mesmo com pedidos relacionados à possibilidade de uma perícia independente.

Desses candidatos, com o respaldo de decisões liminares, muitos se matricularam nos cursos de formação. Formando-se soldados e percorrendo uma palpável carreira dentro da instituição castrense mineira. Sendo dignos de recompensas institucionais; galgando promoções, bem como, apresentando fichas profissionais sem nenhum ato merecedor de desaprovação.

Na maioria das vezes, eram policiais militares com oito, dez, doze anos de serviços já prestados ao ente estatal. Profissionais com os efeitos do cargo em pleno exercício, inclusive, como já lembrado, com promoções a graduações hierárquicas superiores à aquela para o qual concorreram durante o concurso público de admissão.

Ocorre que em muitos desses casos, as decisões judiciais liminares – por vários motivos (não só de mérito) – deixaram de ter validade, e por isso, após a devida notificação da instituição administrativa, sendo os militares automaticamente demitidos da corporação estadual.

Diante de tal fato, e na leitura no Manual de Processos e Procedimentos Administrativos das Instituições Militares de Minas Gerais – MAPPA, percebendo haver na normatização administrativa a figura do Processo Administrativo de Exoneração [PAE], destinado a examinar e dar parecer sobre a exoneração de militarem que, entre outros casos, deixaram de cumprir algum dos requisitos exigidos ao ingresso na PMMG, surgiu uma dúvida crucial dentro do tema em exposição: no caso em análise, havendo o claro descumprimento de um dos requisitos ao ingresso (estar contraindicado em exame psicotécnico), aqueles militares, antes de uma conclusão exoneratória sumária, não mantinham o direito de serem submetidos a um processo administrativo específico?

Para a administração da Polícia Militar de Minas Gerais, como foi observado em vários desses casos, a demissão é direta, sem a necessidade de nenhum processo administrativo, visto ser a origem da questão uma ordem judicial. A instituição militar considera que, um processo de exoneração só se faz necessário quando, e exclusivamente, o acesso aos seus quadros se der à medida que um candidato, iludindo as autoridades da corporação, consegue ingressar em suas fileiras.

Porém, a resposta ao presente questionamento não é tão simples como faz crer o entendimento institucional, e depende de análise mais completa ao bojo que institui o próprio Processo Administrativo Exoneratório.

Para uma resposta mais definida sobre o tema, primeiramente cabe destacar que que, as ordens judiciais que acabaram com a preservação dos direitos determinados em liminares, não discutiram demissões, mas tão somente destacaram que o candidato, quando do concurso público, não se encontrava indicado em seu exame psicotécnico. E por isso, para a PMMG, nas regras dos editais, teria o militar, quando ainda candidato em concurso, deixado de cumprir um dos requisitos à investidura no cargo.

Logo à primeira vista, se pode observar que: a interpretação institucional – da PMMG, em considerar o Processo Administrativo Exoneratório como necessário apenas quando houver, por parte do candidato, dissimulação ao ponto de enganar as autoridades da corporação, para o ingresso em suas fileiras; tem como “norte” jurídico utilização do art. 1º, III – da Resolução nº 3.380, de 05 de setembro de 2006 (que dispõe sobre os processos administrativos de exoneração, no âmbito da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais):

Art. 1º. O Processo Administrativo de Exoneração (PAE) é destinado a examinar e dar parecer sobre a exoneração do serviço público de militar:

(…)

III – com ou sem estabilidade, que não cumpriu aos requisitos exigidos para ingresso na Instituição e pelo competente edital do concurso, com fulcro no art. 154, da Lei nº 5.301, de 16 de outubro de 1969.

Por sua vez, a Lei nº 5.301, de 16 de outubro de 1969, que contém o Estatuto dos Militares do Estado de Minas Gerais – EMEMG, em seu art. 154, dispõe que:

Art. 154. Serão excluídos da Polícia Militar aqueles que nela ingressarem com infração do disposto no artigo 5º deste Estatuto, e os viciosos, os que já houverem cumprido sentença por crimes aviltantes, os que tiverem sido exonerados a bem do serviço público, os expulsos ou excluídos disciplinarmente de outras Corporações, por mau comportamento e que, iludindo as autoridades da Corporação, conseguiram ingressar em suas fileiras, sem prejuízos de ação disciplinar, administrativa ou penal contra os infratores.

Em uma primeira observação, considerando que o art. 5º, VIII – do EMEMG, destaca-se que uma das condições ao ingresso na PMMG é “ser aprovado em avaliação psicológica”. Assim, realmente a interpretação da Polícia Militar de Minas Gerais (pela desnecessidade do PAE), em princípio, está correta, visto que, o Processo Administrativo Exoneratório – nos casos de descumprimento de um dos requisitos à assunção ao cargo – apenas deve ser instruído em situações que o candidato “iludindo as autoridades da Corporação, conseguiram ingressar em suas fileiras”. Sendo que, nos casos de decisões judiciais, mesmo aquelas que não entram no mérito da demissão (como todas aquelas que deram origem a este estudo), não cabe o tramite administrativo processual, bastando a demissão sumária. Isso porque, não houve descoberta de situação ludibriadora do candidato, mas tão somente a confirmação de um fato pretérito, já conhecido, pela própria administração.

Ocorre que, o art. 4º – da Resolução nº 4.220, de 28 de junho de 2012, que introduziu o Manual de Processos e Procedimentos Administrativos das Instituições Militares de Minas Gerais – MAPPA, determina que:

Art. 4º. Revogam-se as disposições em contrário, especialmente:

I – na PMMG, a Resolução n. 3666/02–MAPPAD/PM; Resolução nº 3880/06–PAE; as Decisões Administrativas números 01 a 19, 21, 23, 24, 27, 29, 31, 34 a 39, 42-CG; a Decisão Administrativa n. 37, somente a sua parte final no que se refere ao CEDMU; as Instruções de Recursos Humanos (IRH) números 212/01, 217/01, 234/02 e 310/04-DRH; as Instruções de Corregedoria números 01/05 e 02/09; o Boletim Técnico Informatizado da DRH n. 01/10; os Ofícios Circulares DRH n. 001/03 e n. 437/04; (…)

Como expresso, a Resolução nº 3880/06, que dispunha sobre o Processo Administrativo Exoneratório, foi determinantemente REVOGADA após vigorar o MAPPA. Deixando, naquele momento jurídico, de existir qualquer dos seus mandamentos.

Aliás, diante da presumível lacuna sobre o tema, o próprio MAPPA normatizou a situação sobre o PAE, in verbis:

Art. 381. O Processo Administrativo de Exoneração (PAE) é destinado a examinar e dar parecer sobre a exoneração do serviço público de militar:

(…)

III – com ou sem estabilidade, que não cumpriu os requisitos exigidos para ingresso na Instituição e pelo competente edital do concurso; (…)

Nesse mesmo sentido de interpretação objetivamente fática, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou, destacando que:

Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já decorreram efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo. [STF. Recurso Extraordinário nº 594.296/MG. Rel. Ministro Dias Toffoli]

Destarte, não há na discussão da Corte Suprema qualquer citação a direitos adquiridos ou a estabilidade de uma situação juridicamente consolidada (teoria do fato consumado), mas tão somente se fala em decorrência de “efeitos concretos”. Efeitos estes, conforme já observados nos casos aqui em análise, já se encontravam sedimentados no contexto institucional, social e personalíssimo.

Diante de tudo que foi expresso, percebe-se que, a nova norma implantada pelo MAPPA não faz qualquer menção ao art. 154 – da Lei nº 5.301, de 16 de outubro de 1969. Assim, não restam dúvidas que toda e qualquer situação, em que um candidato deixa de cumprir um dos requisitos exigidos para ingresso na instituição e pelo competente edital do concurso, merece a instrução do devido Processo Administrativo de Exoneração. Com tal consideração, o militar que deixa de cumprir a condição de “indicado” em exame psicotécnico para sua admissão, em situação atestada por DECISÃO JUDICIAL, apenas confirma que deixou de cumprir um dos requisitos exigidos para ingresso na PMMG.

Frisa-se mais uma vez, o Judiciário, na discussão dos casos relacionados a exames psicotécnicos – como não poderia deixar de ser – não ordena a demissão dos militares, mas tão somente conclui que os interessados, à época dos concursos, encontravam-se contraindicados no exame psicológico. A questão relativa à demissão propriamente é exclusiva ao âmbito da Administração.

Nessa lógica, outro não é o entendimento: faz-se necessário a instrução do devido Processo Administrativo Exoneratório – PAE, em cumprimento à previsão do art. 381, III – do Manual de Processos e Procedimentos Administrativos das Instituições Militares de Minas Gerais.

Por assim entender, penso que a única saída legal, para os casos já consolidados, seria a imediata anulação de todos os atos administrativos que foram ilegal e prematuramente consolidados – conforme demonstrado, DETERMINANDO o competente Processo Exoneratório, como única medida legalizada e possível juridicamente, dentro da própria instituição militar mineira.

Instaurado o Processo Administrativo Exoneratório, além disso – importante destacar, não se encontra a autoridade administrativa vinculada a qualquer decisão previamente existente, podendo, por interesse da própria instituição e motivado pela conveniência ou a oportunidade [Súmula nº 473 – STF], estando formada convicção legal, manter o militar processado nos quadros de servidores.

EDER MACHADO SILVA. Bacharel em Direito e em Filosofia. Especialista em Direito Militar e em Direito Processual Civil. Mestre em Direito. Doutorando em Direito Constitucional Comparado, pelo Centro Alemão de Gerenciamento de Projetos Jurídicos (ZRP) – em Leipzig na Alemanha. Membro Efetivo-Curricular da Academia de Letras João Guimarães Rosa – da PMMG. Professor na Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC, campus Teófilo Otoni/MG. (E-mail: professoredermachado@hotmail.com).

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